terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Rapadura

Eu estava em casa, sentada no chão da sala com os cadernos no colo, estudando algum assunto que não entendia, quando passei pelo momento que mudou minha vida.
Havia um prédio sendo construído ao lado do meu, que já estava quase na altura da minha sacada, fazendo com que eu pudesse acompanhar toda a obra. Já estava de saco cheio de todas as marteladas e barulhos de serras, furadeiras, coisas caindo no chão, berros e tudo mais, mas isso iria acabar. Foi então que ouvi os pedreiros conversando, e desisti dos meus livros, pois o que se passava ali fora me parecia mais interessante.
Às vezes temos que parar para ouvir outras pessoas falando. Lições de vida não se encontram nos livros da escola, portanto temos que buscá-las na vida real. Então, abri a porta da sacada e sentei ali no sol, para observar a cena. Um pedreiro – um pouco acima do peso, pele morena, cabelo grisalho, calção vermelho e muitos pêlos pelo corpo – estava encima de uma escada, não lembro bem para quê, mas com o tradicional “cofrinho” cabeludo bem à mostra, enquanto seu colega estava parado ao lado da escada e rindo. Acho que pedreiros não têm cuecas.
- Ô colega, tá difícil aí encima?
- É mermão, rapadura é doce mas não é mole!
Não contive o riso. Entrei novamente na sala e desisti dessas lições. Mas me serviu de alguma coisa: depois daquele dia nunca mais comi rapadura.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Quase feriado

Apenas dois dias, a cada dois anos. Interessante viver numa cidade pequena. Acontece apenas um grande evento capaz de mobilizar a cidade toda, e é apenas durante dois dias, a cada dois anos. O dia em que sua tia pendura tudo o que é enfeite da cor da sua equipe em suas filhas, seu tio tira aquela bandeira velha e mofada do armário, seu primo diz que vai pegar todas, sua avó está empolgada vestindo a camiseta e pulando sem saber bem o porquê, e seu irmão já acorda bêbado, enquanto seu pai continua tomando chimarrão e sua mãe fazendo comida, porque acham tudo isso uma besteira. É, amigo. Isso se chama gincana.
Acho admirável a forma como algumas pessoas se envolvem nisso. E posso dividir isso numa pirâmide, onde o topo consiste naquela pequena parte que realmente perde grande tempo para estruturar tudo, organizar toda a equipe e levar a sério a busca pelo troféu. No meio, aquelas pessoas que se envolvem sãs, se reúnem e tentam colaborar com as tarefas. Mas, na base, se encontra a grande massa que enche totalmente a cara de pinga e compra a camiseta, só para dizer que participou. E são esses que no final, se a equipe ganha, dizem que ajudaram e participaram de tudo, mas, se a equipe perde, limitam-se a um "Ah, que se dane. Eu tava bêbado mesmo”.
E é incrível como alguns conseguem prolongar isso para quatro dias - transformam tudo isso numa grande cachaça. Começam na sexta, para se preparar para o sábado. No sábado, acordam de ressaca e, para esquecer isso, bebem de novo. E passam o dia inteiro bebendo, fazendo com que no domingo a ressaca continue e eles tenham que beber de novo pra esquecer. Então, no domingo à noite, se a equipe ganha, é motivo de comemoração e bebedeira; se ela perde, é motivo tristeza e (advinhe?) de bebedeira. Como conseqüência, na segunda é praticamente feriado. Porque? Todos entraram em coma alcoólico.