terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Rapadura

Eu estava em casa, sentada no chão da sala com os cadernos no colo, estudando algum assunto que não entendia, quando passei pelo momento que mudou minha vida.
Havia um prédio sendo construído ao lado do meu, que já estava quase na altura da minha sacada, fazendo com que eu pudesse acompanhar toda a obra. Já estava de saco cheio de todas as marteladas e barulhos de serras, furadeiras, coisas caindo no chão, berros e tudo mais, mas isso iria acabar. Foi então que ouvi os pedreiros conversando, e desisti dos meus livros, pois o que se passava ali fora me parecia mais interessante.
Às vezes temos que parar para ouvir outras pessoas falando. Lições de vida não se encontram nos livros da escola, portanto temos que buscá-las na vida real. Então, abri a porta da sacada e sentei ali no sol, para observar a cena. Um pedreiro – um pouco acima do peso, pele morena, cabelo grisalho, calção vermelho e muitos pêlos pelo corpo – estava encima de uma escada, não lembro bem para quê, mas com o tradicional “cofrinho” cabeludo bem à mostra, enquanto seu colega estava parado ao lado da escada e rindo. Acho que pedreiros não têm cuecas.
- Ô colega, tá difícil aí encima?
- É mermão, rapadura é doce mas não é mole!
Não contive o riso. Entrei novamente na sala e desisti dessas lições. Mas me serviu de alguma coisa: depois daquele dia nunca mais comi rapadura.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Quase feriado

Apenas dois dias, a cada dois anos. Interessante viver numa cidade pequena. Acontece apenas um grande evento capaz de mobilizar a cidade toda, e é apenas durante dois dias, a cada dois anos. O dia em que sua tia pendura tudo o que é enfeite da cor da sua equipe em suas filhas, seu tio tira aquela bandeira velha e mofada do armário, seu primo diz que vai pegar todas, sua avó está empolgada vestindo a camiseta e pulando sem saber bem o porquê, e seu irmão já acorda bêbado, enquanto seu pai continua tomando chimarrão e sua mãe fazendo comida, porque acham tudo isso uma besteira. É, amigo. Isso se chama gincana.
Acho admirável a forma como algumas pessoas se envolvem nisso. E posso dividir isso numa pirâmide, onde o topo consiste naquela pequena parte que realmente perde grande tempo para estruturar tudo, organizar toda a equipe e levar a sério a busca pelo troféu. No meio, aquelas pessoas que se envolvem sãs, se reúnem e tentam colaborar com as tarefas. Mas, na base, se encontra a grande massa que enche totalmente a cara de pinga e compra a camiseta, só para dizer que participou. E são esses que no final, se a equipe ganha, dizem que ajudaram e participaram de tudo, mas, se a equipe perde, limitam-se a um "Ah, que se dane. Eu tava bêbado mesmo”.
E é incrível como alguns conseguem prolongar isso para quatro dias - transformam tudo isso numa grande cachaça. Começam na sexta, para se preparar para o sábado. No sábado, acordam de ressaca e, para esquecer isso, bebem de novo. E passam o dia inteiro bebendo, fazendo com que no domingo a ressaca continue e eles tenham que beber de novo pra esquecer. Então, no domingo à noite, se a equipe ganha, é motivo de comemoração e bebedeira; se ela perde, é motivo tristeza e (advinhe?) de bebedeira. Como conseqüência, na segunda é praticamente feriado. Porque? Todos entraram em coma alcoólico.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Invenções

Às vezes me sinto uma pessoa completamente normal. E não creio que isso seja bom, pois tenho medo de não ter o que contar para os meus netos. Pois não fumo, não cheiro, bebo socialmente. Não saio muito à noite, não fiz nenhuma loucura por amor, não sei tocar saxofone. Não inventei algo inovador, nem conheci alguém que o tenha, talvez porque tudo já tenha sido inventado. Desde a internet até o cadarço dos tênis.
E o mais injusto é que apenas os inventores das grandes coisas levam mérito por sua inteligência. Bill Gates que me desculpe, mas ninguém nunca prestigiou o cara que inventou aquela coisinha de plástico, dura, na ponta do cadarço que, a propósito, descobri que o nome é canutilho. E garanto que você não viveria sem ele.
Muita gente viveu sem internet até pouco tempo atrás. Aliás, somos uma geração prestigiada por poder usufruir dela à vontade. Mas garanto que você nunca tentou passar o cadarço no seu tênis sem o canutilho. E, se tentou, conseguiu? Garanto que não. Você precisaria de horas para isso, pois os furos do tênis são muito pequenos.
Uma invenção pequena, mas inteligente. Pelo menos o inventor anônimo do canutilho teve o que contar para os netos. Tenho inveja dele.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Na infância - Capítulo 2

Quando me dei por conta, já estávamos em uma discussão acirrada. Ambos mal sabiam ler, mas éramos orgulhosos e mantínhamos nossos argumentos até convencermos o outro.

- É bigo! – ele me disse.

- Não Guto, o nome é umbigo!

- É bigo, tenho certeza.

- Não pode ser. Eu aprendi que o nome é umbigo.

- Então ensinaram errado. É bigo.

- Ah é? Então prova.

- Provo. Pensa comigo: se eu juntar o meu bigo com o teu bigo, dá “dois bigo”. Já o meu bigo sozinho é “um bigo”!

Ele estava tão convicto daquilo que até me convencera. Era bigo, e não tinha o que discutir.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Ah, homens!

Desculpem o atraso. Nunca me entendi muito bem com relógios e, nas últimas semanas, parece que trocaram as pilhas, porque só consegui parar para respirar hoje.
A vida corrida me trouxe algumas surpresas, e algumas decepções também. Dentre elas, confirmei os boatos de que homens não prestam. Isso mesmo: homens não prestam. E, se alguém discordar, que se manifeste.
As meninas vão para festas afim de encontrar um príncipe. Eles, procuram a próxima. Elas amam, e se descabelam por isso. Eles querem sexo e futebol. "Amor, traz outra cerveja?"
Mas, quando pensei ter encontrado resquícios de um romantismo quase inexistente hoje em dia, fui forçada a colocar os pés no chão. Recebi cartas, recebi flores. Declarações bregas, mas amáveis mesmo assim. Então, vi que homens são capazes de qualquer coisa para encobrir uma mentira: ele tinha namorada, o desgraçado.
Homens não deixam nunca de ser apenas garotos. Algumas meninas já nascem quase mulheres. Por isso, não se assustem se eu virar lésbica.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Chuchuzinho

Depois de muitas buscas, consegui achar a única coisa mais ridícula do que usar chinelo de dedo com meia: apelidos entre namorados.
Será que não existe ninguém criativo o suficiente para criar algo além de “amorzinho” e “benhê”? Ah, pode ter certeza que existe. Já tive a infeliz oportunidade de presenciar alguns apelidos um tanto quanto... Estranhos.
Falar as coisas com voz de bebê e apelidos com X ou no diminutivo, apesar de me darem náuseas, são os que mais se vê por aí. Alguns acham romântica toda essa melação, mas mal sabem que às vezes isso se torna meio inconveniente, principalmente na frente dos amigos. Se ela for seu docinho de coco e, você, o tchutchuco dela, ótimo, mas poupem-nos. E tome cuidado: nem sempre apelidos carinhosos agradam. Chame-me de pequena e eu me apaixono. Chame-me de chuchu... bem, está querendo dizer que sou pálida, peluda e sem gosto?

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Na infância

Sempre me preocupei muito com meu futuro. E estava convicta de que nunca casaria na minha vida, porque se até os 6 anos não tinha me apaixonado ainda, quando isso aconteceria? Então, com aquela inocência que só as crianças têm, olhei para a minha mãe enquanto ela lavava a louça e perguntei:
- Mãe, dá pra casar com alguém da família?
- Olha, até dá... Mas as pessoas não costumam fazer muito isso.
"Dane-se", eu pensei. Então virei para o meu irmão:
- Mano, quer casar comigo?
- Não.
Acho que devo ter ficado um pouco triste, nem lembro. Mas sei que foi a primeria rejeição da minha vida.

sábado, 1 de agosto de 2009

Papo de gente velha

Estou confiando na evolução da tecnologia e dos conhecimentos do homem. Estou dando-lhes um prazo de 50 anos para descobrir algo antienvelhecimento, mesmo que com 65 anos eu já não seja mais tão nova. Mas tenho medo de passar dali.
Vejo agora meus avós - não só os meus, mas os seus também, e aqueles da minha vizinha ranzinza aqui de baixo - já sem aquele brilho no olhar que tinham quando mais jovens. O sorriso não mais tão branco, a pele mais enrugada, a expressão cansada de quem viveu uma vida inteira e agora só lhe resta aguardar. Não queria nada disso para mim. Saber que os dias estão contados, mas sem saber ao certo até quando. Ver o luar e se pegar pensando se não seria o último. Ter a certeza de que dalí para frente só lhe resta contar histórias e tomar algumas pílulas para adiar a certeza de algo já determinado.
Talvez eu prefira uma morte súbita, ataque cardíaco, acidente ou até mesmo assassinato. Ou melhor: morte natural. Morrer dormindo. Sem dores, sem sofrimento, nenhuma chance para o adeus. Nada de ter que assinar papéis, nenhum testamento, nada. Apenas ir, como deveria ser. Também não queria passar os últimos tempos em um leito de hospital. Hospitais não cheiram bem - não que sejam sujos, mas cheiram a desespero. Apenas imagino meu velório, com aquela amiga fofoqueira - que todos têm - dizendo em tons estridentes: "Coitada... Morreu assim, tão de repente!"
E o que mais me intriga é que todas essas exigências sejam insignificantes perto do medo que eu sinto. Estou tão acostumada a lidar com minhas dúvidas que quando me deparei com a única certeza que temos na vida fiquei realmente perturbada. É, acho que está na hora de investir em um colchão novo. Pelo menos terei o prazer de morrer confortável.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Muito jovem para morrer!

- Eu sou assim. Por mais que eu tente, não consigo mudar. Parece ser mais forte do que eu.
- Mas sempre conseguimos mudar, se isso é o que realmente queremos.
- É o que eu quero. Mas sinto-me como se estivesse viciada. Não consigo conter minhas vontades, preciso cada vez mais e mais. O problema é que isso faz eu sentir nojo de mim mesma.
- Não sinta nojo, nem se arrependa. Você faz o que tem vontade na hora, e admiro isso em você. É melhor se arrepender do que faz, do que se arrepender de algo não feito.
- Só que isso acaba me prejudicando. Como fica minha imagem depois?
- Imagem é só imagem. Depois de um tempo, ninguém mais lembra o que você fez. As pessoas se detêm muito às novidades. O que aconteceu ontem já não importa a mais ninguém. Sem contar que isso é coisa de adolescente: não importa o quão popular você seja, quando você se formar no colégio, considere-se morto. Ninguém mais vai nem lembrar que você existiu.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Eu que não amo você

Ela segurava aquela foto com as mãos trêmulas. Não sabia como aquilo havia parado ali, nem ao menos lembrava que a tinha. Estava apenas procurando um par de meias limpas, quando achou-a intacta, no fundo da gaveta.
Até ali não entendia como podia ainda gostar dele. Não era o príncipe encantado de seus sonhos, que fazia serenatas e escrevia poemas. Não tinha os cabelos loiros, nem os olhos claros, e não tinha um cavalo branco. Era apenas um rapaz comum – talvez nem tão comum assim.
Incomodava-se com o descaso dele com seu futuro. Tinha planos muito vagos, alguns impossíveis. Era jovem, mas não mais adolescente. Já tinha seus vinte e poucos anos, e continuava a entorpecer-se enquanto assistia o sol nascer com seus amigos.
Mas amava-o assim, mesmo o odiando por completo. Ele era capaz de mudar seu mundo apenas com uma palavra.
Agora se via ali, com aquela velha foto nas mãos. Era um beijo, no dia em que o apresentou aos seus pais. Lembrou-se do momento com seus mínimos detalhes: o nervosismo, a roupa que ele estava, as palavras e a vontade de abraçá-lo e não deixá-lo sair de lá nunca mais. Então percebeu que sentia saudades. Muitas saudades. Fora uma tola em deixá-lo ir, mas aquele talvez não fosse o momento certo para continuarem.
Eles ainda casariam e teriam filhos. Ele morreria antes do que ela, quando fossem velhinhos, pois dizia que não suportaria a dor se ela morresse. Eles juraram que seria pra sempre... Sim, tudo isso aconteceria. Ele prometera, ele prometera!
Então, ela beijou a foto procurando novamente o sabor dos seus lábios, mas o chiclé de menta já perdera o gosto. Roçou-a em suas bochechas, procurando sentir os arrepios que sentia quando ele a tocava, mas suas mãos já não a queriam tocar. Tentou sentir o seu perfume, mas ele já se perdera no ar. Apenas percebera que ainda o amava, mesmo depois de tantos meses sem vê-lo. E agora já não poderia fazer mais nada, pois ele parecia já ter esquecido tudo isso, e já mudava o mundo de outra garota. Ele não a amaria tanto, tinha certeza. Ele prometera, ele prometera!
Então, já entre soluços e lágrimas, passou a repetir em voz alta “eu não o amo, eu não o amo, eu não o amo, eu não o amo, eu não o... eu não... eu...” até pegar no sono, ali no chão mesmo. A frase perdera o sentido, mas seu amor não.

domingo, 21 de junho de 2009

Como uma bala

Certa vez criticaram-me por não acreditar em Deus, então, descobri que meu Deus é o tempo. Ele é o dono de tudo. O tempo cura feridas, fortalece amizades e destrói outras. Determina os anos, as estações, os dias. E quando o tenho de sobra, acho-o monótono, mas enlouqueço-me com a falta dele.
Uma semana foi o suficiente para eu amar pessoas que até aí eu nem sabia que existiam, e que me fizeram chorar na hora da despedida. Foi o suficiente para eu ver que quando eu quis fugir do mundo, ele também fugiu de mim. Pessoas nasceram e morreram, assim como algumas amizades, amores e flores. Uma semana foi muito para eu pôr as coisas no lugar, o suficiente para eu sentir falta de casa e pouco para bronzear minha pele.
Então, percebi que o tempo é relativo. Uma semana para quem quer conhecer coisas novas é pouco, para quem que fugir da rotina é suficiente, e para quem ama é muito. E, com isso, desisti daquela minha loucura de tentar pará-lo. Decidi apenas aproveitar o gostinho de cada minuto até ele derreter por completo na minha boca.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Em silêncio.

Ama-me,
mas o faça em silêncio.
Não chores por mim,
Não vivas por mim,
Não morras por mim.
Nem ao menos diga aquelas três palavras.
Tenho medo do escuro,
Tenho medo da solidão,
Tenho medo do amor.
Ama-me, mas o faça em silêncio.
Quero apenas que me admire,
que me faça rir,
que seque minhas lágrimas
e me abraçe,
em silêncio.
Ama-me,
mas o faça em silêncio.
Não faça juras
Não escreva cartas
Não compre rosas.
Ou então,
tente apenas não me amar.
Não quero olhar seus olhos
e sentir-me culpada
por essa lágrima doce,
que corre pelo seu rosto
enquanto me vê ir.
De novo.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Como uma vela

Ela chegou para me buscar. Não estava com aquele sorriso radiante de sempre, nem ao menos fez as perguntas tradicionais com aquela mesma empolgação. Mas eu a via tentando parecer normal, tentando não me preocupar. Uma pena que os olhos nunca mintam. Fingi acreditar naquele fingimento e, então, andamos em silêncio, lado a lado, até eu ver uma gota no chão. Não estava chovendo. Era uma gota solitária, só ela só, espatifada naquele concreto frio e seco - uma lágrima, uma das poucas que eu vira em 15 anos.
- Mãe, está tudo bem?
- Hm... Mais ou menos.
- O que aconteceu? - Meu coração já havia disparado. "Mais ou menos" nunca me tranquilizam.
- Levei seu avô no médico hoje, e aquele probleminha voltou.
- Mas tem como curar, não?
- Teria... Mas submetê-lo a outra cirurgia é muito arriscado.
- Isso quer dizer que...? - Eu sabia o que significava, apenas não queria acreditar.
- Q-que...
- Que?
- ...que ele vai "apagar", como uma vela. - A essa altura, seu rosto já estava encharcado. Eu não sabia o que dizer para confortá-la, nem sentia-me confortável para isso. Apenas senti aquelas palavras chocando-se contra mim, tentando derrubar-nos. Então, peguei sua mão e continuamos andando em silêncio, lado a lado, com várias gotas no chão. Apenas o que ouviamos era o baque surdo dos nossos passos naquela noite vazia. Ainda não chovia. Mas aquela gota deixara de ser solitária, e muitas outras estavam estateladas no concreto frio e não mais tão seco - lágrimas minhas e dela, juntas, assim como seria dalí para frente.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Ao canto de um salão vazio.

A festa estava acontecendo. Eu ouvia aquele som alto que vinha de longe, e as vozes das pessoas que passavam alí por perto. Mas não queríamos partilhar daquela felicidade. Queríamos partilhar a nossa, queríamos o nosso momento. A sós. Só nós. Sentados no canto de um salão vazio, com os dedos entrelaçados e o coração pulsando.
Achei que demoraria mais para interessar-me por alguém novamente. Achei que nunca encontraria alguém que me entendesse. Achei que meu rosto não coraria mais, e que não sentiria arrepios a ponto de estremecer minhas pernas. Mas talvez ter parado de procurar mostrou-me o que eu não conseguia ver: o que eu procurava estava bem ao meu lado, eu apenas não abrira os olhos.
Ele olhava-me e eu via que estava fazendo a coisa certa depois de tanto tempo. Ele beijava-me e eu voltava a sentir o que não sentia a meses. Ele falava, e eu ouvia o que estava precisando para me tranquilizar.
- Já que você quer tanto parar o tempo, vou tirar meu relógio e desligar o celular. Agora somos só eu e você aqui, e nada mais importa.
Encostei meu rosto em seu ombro, e embriaguei-me com o perfume que vinha de seu pescoço.
Estava tudo perfeito - até o cheiro.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Pilhas do relógio

Nos últimos dias as coisas parecem ter fugido do meu controle. Tudo o que eu estava orgulhosa por estar conseguindo dominar escorregou por entre meus dedos, como se tentasse segurar areia. Muitas coisas a fazer, pouco tempo. Nem passar madrugadas em claro ajudaram-me a tomar novamente o controle.
Talvez tenha sido um erro querer assumir compromissos demais. Talvez o certo fosse, na verdade, passar tardes e tardes apreciando o calor das minhas cobertas, com uma boa xícara de café e bolachas recheadas, mesmo que isso não cobrisse a necessidade insaciável que tenho de superar-me sempre. Uma pena que eu não consiga suportar tanto quanto eu pensava.
Então, aquela areia que eu tentava segurar parece ter me soterrado. Competi incessantemente contra o relógio, o qual sempre conseguia dar um jeito de ultrapassar-me e fazer-me perder todas a disputas. Descabelei-me. Perdi totalmente o controle. Meus olhos doíam, minha cabeça girava, toda essa preocupação e minha angústia foram levadas para meu canal lacrimal.
Faz três dias que abafo meus choros durante o dia e tento parecer feliz, pois as pessoas não merecem partilhar comigo minha tristeza. Mas é a noite, sozinha no meu quarto escuro, que me sinto realmente segura e permito-me revelar tudo o que sinto. Eu não deixei de ser uma garotinha. Eu não suporto tudo isso. Queria poder voltar à minha infância - é uma pena que mesmo tirando as pilhas do relógio, não consiga parar o tempo.

domingo, 3 de maio de 2009

História de novela

Faz tanto tempo que não o vejo que nem lembro mais de suas feições. Apenas o que me vem na cabeça são vagas imagens congeladas que vi nas fotografias. Sem mais notícias, nenhuma explicação. Nem ao menos lembro a quanto tempo o vi pela última vez - sete ou dez anos, talvez.
Sei que está vivo por ouvir seu nome e os problemas que causou, ou ainda causa. E talvez tenhamos nos cruzado pela rua, mas ele não me reconhecera - eu ao menos tive aquela impressão "conheço-este-rosto...". Porém, orkut não me parecia o meio mais provável de nos revermos: "que bom que me adicionou, agora podemos manter contato". Manter contato agora? Depois de já ter crescido sem desculpas por ter desaparecido? Depois de não ter me desejado feliz natal no fim do ano, nem estado comigo nos últimos 7 aniversários? De não ter me dito "cuidado com os homens, eles não prestam" quando dei meu primeiro beijo?
Percebi que sobrevivo sem um padrinho. E talvez o silêncio, agora, seja o melhor contato.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

3 palavras, 7 letras

- Ele te ama... O que mais você quer?
- Ahn... Não preciso de promessas, nem ao menos declarações. Quero alguém que não tenha vergonha de mim, mas que também não me ache perfeita. Alguém que faça eu me sentir bem e segura em qualquer situação, mas que me dê arrepios e me faça derreter como manteiga em um simples toque. Que eu possa odiar tanto ao ponto de amar e não poder mais viver sem. Que me faça chorar de tanto rir e rir de tanto chorar. Que seja brincalhão, mas que saiba ficar de boca calada nos momentos certos. Que me respeite, mas que não me obedeça sempre. Que queira estar comigo em todos os momentos, mas que compreenda que também namoro a solidão. Alguém que seja, antes de tudo, meu amigo.
- E você não se importa com o físico?
- Ah, um pouco de cérebro e olhos claros também ajudam. Mas preste atenção: "eu te amo" não diz tudo.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Balas de goma.

Só de entrar naquele ônibus já senti náuseas. Não que eu passe mal em viagens - aquela fazia eu me sentir mal. Via-me uma completa idiota: estava rodeada de grupos de amigos, dos quais eu não fazia parte de nenhum. Eu ouvia murmuros, risadas e, vez que outra, pegava algum assunto no ar. Mas ninguém me via alí. Eu era invisível, e minhas tentativas fracassadas de tentar me enturmar não deram certo. Coloquei meus fones de ouvido, na esperança de não me sentir tão sozinha, mas não adiantou. Olhava pela janela aquelas imagens que passavam correndo por mim, e a estrada vazia mostrava-me que eu não era a única solitária por alí. Meus olhos encheram-se de lágrimas, e não consegui conter meu choro abafado, que só serviu para borrar meu lápis de olho - ninguém me via, de qualquer maneira.
Fechei meus olhos desejando desmaiar, porém, nem dormir não consegui. A única coisa que me vinha na mente era a saudade e a vontade de abraçar alguém que me salvasse daquele poço de solidão. Eu precisava das minha amigas alí, mesmo que em silêncio, pois só de saber que estamos próximas me sinto mais segura. Me sinto mais forte, mais corajosa. Então, abri os olhos e meu pacote de balas de goma, e aquela glicose toda parece ter me acalmado. Por alguns instantes, ao menos.
Quando eu pensava já ter sobrevivido à duas horas de viagem, na verdade, apenas 32 minutos haviam se passado. E aquele nó na garganta me sufocava cada vez mais. Sacudi a cabeça, liberei-me daquele casulo e passei o resto do tempo olhando para o nada. Volta e meia, trocava algumas palavras com alguém, mas da boca para fora. O que eu mais desejava era poder sair daquele meu pesadelo, resumido a um banco de ônibus.
Chegar antes só aumentou minha angústia. Eu olhava aluno por aluno, procurando por meus portos seguros, mas pareciam ter sumido. Quando finalmente encontrei, o abraço lavou minha alma. Todo aquele peso sumiu, e consegui engolir o nó. Eu podia rir e sorrir novamente, tranquila. E ri. Até chorar de felicidade. Passar um tempo com pessoas que conheciam muito mais do que apenas meu nome fez-me esquecer todo o medo da solidão. A viagem de volta não me preocupava mais, eu poderia superar qualquer coisa se no final eu fosse ver aqueles rostos sorridentes novamente.
O retorno não poderia ser tão ruim... era apenas um banco de ônibus. E eu ainda tinha balas de goma.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Equinócio de Outono.

Era total e extremamente confuso para mim. Fazia tempo que não o via e, chegar assim tão perto e não poder tocá-lo consumiu todas as minhas energias naquele momento. E mais doloroso do que isso: parecia que não nos conhecíamos. Olhei-o completamente envergonhada e impotente, por trás de meus óculos escuros, e fui simples e cruelmente ignorada.
Senti um arrepio que me fez estremecer por completo, e tive a sensação de que tudo que vivi foi um sonho, porque estávamos ali, no ponto zero. E senti novamente aquele arrependimento, com a sensação de estar cometendo um grande erro, querendo lutar contra algo que já estava programado para acontecer. Minhas mãos suavam, eu não conseguia ouvir nem pensar em nada... E a única coisa racional que parecia vir em minha cabeça era que eu precisava sair dali o mais rápido o possível, antes que aquela onda de mal estar me levasse ao chão - o que não seria má ideia se houvesse um buraco para que eu me escondesse.
Eu prometi que o "nós" duraria para sempre, e que eu nunca amaria outro alguém. Mas agora éramos eu e ele, frente à frente, com a saudade martelando nossos peitos e uma vontade insaciável de nos abraçarmos, nos beijarmos e dizermos que foi apenas um sonho, que essa distância nunca nos havia separado e que o que partilhávamos duraria para sempre. Contudo, engoli minhas lágrimas e todos esses sentimentos que tentavam saltar de minha boca, assim como faço toda noite antes de dormir, quando sem querer me pego pensando nele. Concentrei-me apenas em caminhar na direção contrária, onde eu finalmente conseguisse encontrar oxigênio suficente para me fazer respirar novamente.
Eu prometi que tudo duraria sempre e para sempre, mas nem esperei o verão acabar.
O vento do outono gira outra vez
Os dias estão mornos, e começam a desaparecer
Tudo aqui ainda é o mesmo
e mémorias caem como chuva.
(One Republic - Too Easy / tradução)

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Outro coração despedaçado

- Puxa, você sim arrasa corações...
- Ah, eu não arraso corações. Esses corações me arrasam.
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domingo, 5 de abril de 2009

O que nos completa.

Não vivemos sozinhos. Não conseguimos nem ao menos levantar da cama pela manhã se não tivermos alguém para partilhar conosco o dia. Alguém que nos fará sorrir, alguém que secará nossas lágrimas nos momentos mais complicados. Alguém que vai viver a vida conosco, partilhá-la em todos os momentos, mesmo longe, mesmo por telefone.
Estamos cercados de pessoas que costumamos chamar de "amigos". Colegas de aula e de trabalho, pessoas que conhecemos em algumas emboscadas da vida, pessoas que nos marcaram pelo menos em algum momento. Mas poucos são nossos bons amigos. São poucos que nos fazem ver a vida com outros olhos, e que nos apóiam - ou mostram que não estamos certos -, os que nos conhecem melhor do que nós mesmos. Um bom amigo não tem receio de criticar, de falar coisas que não queremos ouvir. Ele nos ensina muito, ainda mais quando partilha suas experiências, e nunca hesita em falar-nos a verdade.
Amizade não se compra, nem ao mesmo tem um valor definido - se tiver, alguém, por favor, fale em alto e bom som, também quero saber -, simplesmente se sente. É uma espécie de amor incondicional, somos capazes de fazer o impossível, somos capazes morrer por um amigo. Pois é diante dele que somos nós mesmos, que temos total liberdade para expressarmos nossas opiniões, nossas mágoas, nossas paixões secretas. Amigos nos fazem rir quando temos vontade de chorar, nos divertem com brincadeiras infantis, trazem alegria apenas com um olhar. Uma relação de amizade pode ser comparada a um namoro, porém, com menos contato físico. Toda amizade tem seus momentos críticos, onde as opiniões divergem e criam conflitos, mas todas essas tempestades vêm seguidas de calmarias, que contribuem para que as pessoas possam se conhecer melhor.
A amizade verdadeira nos mostra o verdadeiro significado da confiança, da sinceridade, da lealdade, da felicidade. Muitos amigos vêm e vão, deixando saudades e boas lembranças, mas sempre há aqueles que se tornam irmãos, que caminham lado a lado conosco para onde for, e pelo tempo que for possível.

sexta-feira, 27 de março de 2009

Super Herói.

E ainda tentamos impressioná-los. Olhamo-nos milhares de vezes no espelho, alisamos e cuidamos fio por fio de nossos cabelos, maquiamo-nos impecavelmente, penteamos até sobrancelhas. Tudo na esperança de causar boa impressão, na esperança de arrancar olhares maliciosos. Mas negamos. Dizemos que tudo isso é para nos sentirmos bem conosco, que danem-se os comentários do outros, que somos felizes do nosso jeito. É uma pena que isso seja apenas da boca para fora.
Não conseguimos ser felizes sozinhos. Não passamos horas na frente do espelho pela manhã apenas para nos acharmos bonitos, afinal, não vivemos cercados por espelhos. Na verdade, queremos que os outros nos achem bonitos, queremos que falem bem de nós. Gostamos de nos sentir queridos, de ter muitos amigos. Mas é aí que se encontra o famoso feitiço que vira contra o feiticeiro: quanto mais chamamos atenção, quanto mais queremos que gostem de nós, mais pessoas prontas para nos derrubar encontramos. E falam mal, criam fantasias, criam histórias que destruam sua reputação - eu até me preocuparia se ainda tivesse uma.
Até perdi pedaços de mim tentando me reformar, tentando ser como os outros queriam que eu fosse. E só perdi tempo, umas amizades e alguns reais. Mas não valeu a pena. Ainda tento reconstruir-me e conquistar as pessoas assim, exatamente como eu consigo ser. Cansei de importar-me com comentários fúteis, normalmente tão fúteis quanto quem ousou em pronunciá-los. Pois quando falamos mal, é porque nos sentimos ameaçados, e temos medo. Nunca falaremos mal de alguém que não ofereça nenhum perigo para nós, que não pareça interferir nos nossos objetivos.
Contudo, não adianta sonhar, é impossível ser perfeito. E a vida seria muito monótona se não tivéssemos com o que nos preocupar.
Eu não quero salvar o mundo, então, não preciso que gostem de mim... Nem o Homem-Aranha agradou a todos.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Colecionadora de promessas

- Não sei porque ainda faço todas essas promessas. Engano a mim mesma, pois sei que não irei cumprí-las. - Olhei para ela, que fitava-me com aquela expressão vazia, tentando achar uma resposta plausível. Apenas sorriu e disse:
- Você faz isso apenas por ter medo de dizer "não".
- Mas isso tornou-se um vício, e não consigo mais não iludir as pessoas com essas minhas promessas vazias!
- Acho que você se preocupa demais em não mostrar a realidade para os outros, sendo que nada dura para sempre... Uma hora vão descobrir que foram enganados.
- E você me diz isso só agora, quando minha coleção de promessas está quase completa?
- Achei que você soubesse. - Seus olhos claros agora estavam frustrados. Eu via que ela estava tão confusa quanto eu, mas resolvi seguir qualquer coisa que ela me dissesse em seguida. Não conseguia mais pensar por mim mesma; por mais que tentasse, sempre dava um jeito de fazer tudo dar errado.
- E então, o que eu faço?
- Diga a verdade, doa a quem doer.
- E se a dor for insuportável?
- Tome uma aspirina.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Aquele novo olhar.

Vai completar uma semana. É tudo muito recente, e as coisas ainda giram ao redor de mim. Mas às vezes tenho a sensação de que passou-se um mês ou dois, nem sei mais. Sinto muito a falta dele - era o único capaz de acalmar-me depois de uma tempestade.
Vejo tudo com outros olhos agora. Os olhos de antes, na verdade. Mas um pouco menos ingênuos e envergonhados. Sinto novamente todas aquelas dúvidas, aquela sensação de que tudo é o fim do mundo, aquela preocupação com o que fazer no amanhã. Não tenho mais rotinas - nem sinto falta delas.
Mas olho-me no espelho e ele reflete um monstro. Não com patas gigantes, uma pele verde e um rosnado ensurdecedor. Um monstro que brinca com sentimentos, pois não consegue entender essa dor que os outros sentem. Não que eu não sinta também, pois não consigo ser tão gélida. Mas passo pelo que os outros passam em um velocidade fora de padrões. Passo pela tristeza, pelo arrependimento e pela fase da aceitação. Entretanto, essa transição dura no máximo 2 dias e, se ainda há lágrimas a serem derramadas, engulo-as, guardo-as para mim, naquele lugar onde guardo todas as mágoas não expressas. Porém, tenho medo do dia em que esse reservatório transbordar, pois virá a tona tudo isso que não passei nos últimos tempos. E, quando esse dia chegar, não sei quem estará do meu lado para trazer a calmaria - ele provavelmente não.
Então, saio a procurar outros olhares e outros abraços, que me façam sentir segura. Enquanto não encontro, sento aqui com meu chimarrão e assisto mais uma série de corações despedaçados, desejando ser assim também.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Amanhã é muito tarde para eu me arrepender?

Nunca pensei que seria tão difícil. Eu não tinha a mínima noção do que estava em jogo, até ver aquela maré de sentimentos inundando-me de lágrimas. Não só minhas.
Consegui sentir algo pior do que a dúvida e pior do que o medo de perder, citados nos outros posts. Eu senti o fim se aproximando, e quem abria as portas para ele era eu, com um sorriso triste no rosto e uma certeza incerta - ao mesmo tempo que queria, não queria. Mas a razão gritou mais alto do que a emoção. E agora tenho certeza de que são inimigas: a razão levou-me a fazer o que achava certo; a emoção castigou-me por isso. E estão até agora me enlouquecendo, pois enquanto uma me faz sentir alívio, a outra me mata de arrependimento.
Sem contar que roubaram-me as cores. Roubaram-me a graça. Roubaram-me um coração. Acordei com um dia cinza, vesti uma roupa cinza, bebi algo branco - devia ser leite, não senti o gosto. Andei por ruas desertas, passei a manhã com pessoas que tentavam me animar, mas não consegui ver a graça. E a tarde solitária só me fez perceber que talvez eu esteja estragando tudo novamente. Sinto como se um rolo compressor tivesse passado por cima de mim - talvez a morte doesse menos.
Um tempo. Ar puro. Preciso disso e de um copo de água para decidir se é isso mesmo que quero. Enquanto isso, a solidão me faz companhia. Até meu coração pulsar novamente.
"O preço que se paga às vezes é alto demais
É alta madrugada, já é tarde demais
Pra pedir perdão...Pra fingir que não foi mal" ♪♫♪

segunda-feira, 9 de março de 2009

Vestidos.

A dúvida é o mais cruel dos sentimentos. Ela dói e nos desgasta, nos inquieta, nos faz sofrer. E, por mais que você tente ocupar sua mente, ela sempre estará lá, martelando e martelando, até você se decidir.
E o que ela mais exige é silêncio e solidão. A história que "duas cabeças pensam melhor do que uma" nem sempre cabe no contexto. Nesses momentos, é cada um por si e o silêncio torna-se seu melhor amigo, pois mesmo sem falar nada mostra tudo o que é pra ser visto. Ele tem o poder de colocar os pingos no is, e de acalmar o inquieto.
Pois não reclamo da dúvida entre o vestido rosa ou o preto, até porque, na dúvida, compre os dois. Reclamo daquela dúvida que tem o mesmo poder da culpa, aquela que consome nossa energia e não nos deixa seguir em frente. A dúvida entre a vida nova ou o "felizes para sempre".
Às vezes estamos tão acostumados com o que vivemos que não pensamos em arriscar ou, se arriscamos, posteriormente nos arrependemos, e isso causa um bloqueio, pois temos medo de tentar novamente. E acaba se tornando um ciclo e ficamos sempre na mesma, com a dúvida de como teria sido se tivéssemos optado pela outra alternativa.
Então, chega um momento que seu mundo vira de cabeça para baixo e o que você mais quer é que tudo se dane. Danem-se as dúvidas, danem-se as consequências... Precisamos de coisas novas! E é nesse momento que você reconsidera e pensa se vale a pena deixar de lado tudo o que conquistou até o momento. Enfim, a dúvida novamente.
Então sorria. Isso basta.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Until die

Eu me sentia total e extremamente culpada. As lágrimas escorriam desenfreadamente e eram absorvidas por meu travesseiro, já encharcado. Meus olhos ardiam, minha cabeça rodava, o corpo todo doía. E os 4 comprimidos de paracetamol que eu tomara não surtiram efeito.
Minha mãe entrou no quarto e disse-me que era chegada a hora. Eu via lágrimas em seus olhos tristes que, ao mesmo tempo, eram incriminadores. Não olhava-me mais com aquela expressão terna com a qual eu estava acostumada. Levantei-me, coloquei os óculos escuros e a segui. Então, deparei-me com meu irmão na sala, que aguardava meu abraço. Era o único que me apoiava indubitavelmente até o fim, mesmo sabendo que eu não estava certa.
Chegamos. Velórios nunca me traziam - se é que trazem a alguém - bons pensamentos, mas eu tinha de estar alí. Eu tinha que sentir aquela nuvem negra e pesada acima de nossas cabeças, eu tinha que me sentir culpada pelas lágrimas derramadas. Eu era obrigada a isso, tinha que sentir o peso de meus atos - ou a falta deles.
Logo que entrei, percebi todos os olhares se voltando para mim. Minhas tias cochichavam algo inaudível, mas que, pelas suas expressões, não era bom. Meus tios olhavam-me com desapontamento, e meus primos limitaram-se a me ignorar. "Porque é que eu não fui lá? Quero dizer, ela estava doente e apesar de todos da família estarem rodeando-na, ela perguntava somente por mim. Aonde estava eu naquele momento?"
Dei mais alguns passos, mas eu não conseguia me aproximar do caixão. Eu não tinha forças e, a cada passo que eu dava, sentia-me mais torturada. Era como se eu estivesse carregando o próprio caixão nas minhas costas. Foi então que o ví: meu pai estava sentado a direita do caixão, com a cabeça baixa e sussurrava algo, mas eu não pude ouvir. As vozes incriminadoras na minha cabeça não me deixavam pensar, e eu não conseguia me concentrar no que fazer. Mas eu consegui ler seus lábios:
- Eu criei um monstro. Não acredito que ela matou a própria avó de desgosto.
Minhas pernas pensaram por mim. Virei-me e comecei a correr em direção a porta, mas ela me parecia cada vez mais distante. Faltava-me a respiração e, pela dor, eu parecia ter um dinossauro no estômago. A única coisa que me parecia possível no momento eu fiz: gritei. Gritei com todas as minhas forças, gritei como nunca na minha vida. Gritei até doer a garganta. Mas não saiu som nenhum.
Foi então que acordei, com meu grito abafado pelo travesseiro.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Um pedaço de mim.

- Você não sabe a minha decepção quando eu ficava feliz porque ia vê-lo e, quando olhava para o nosso lugar, ele não estava lá.
- Pois percebo que você não vive mais sem seu amado...
- Já faz muito tempo que não vivo mais sem ele.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

The end has only begun.

Naquela hora, senti que tinha acabado. As palavras - ou a falta delas - abriram feridas e mim. E, enquanto escorriam lágrimas de meu rosto, eu sentia o estômago revirando e o coração sem batimentos, como se eu estivesse morrendo aos poucos, agonizando em um mar de lágrimas. O espelho me mostrava uma pessoa desconfigurada, com o rosto corado e encharcado, enquanto os cabelos imploravam por um pente. Eu olhava para aquelas palavras dolorosas para mim e sentia repulsa pelo computador, que me parecia o culpado de tudo, mesmo estando imóvel alí.
Estava marcado para as 10:30, e eu tinha medo do relógio. Não queria encará-lo, e ficava angustiada com as tentativas fracassadas de fazer o tempo parar. Mas, a cada volta do relógio, parecia-me que as lágrimas medrosas multiplicavam-se e espalhavam cada vez mais o lápis de olho, deixando minhas bochechas com linhas escuras, como a noite lá fora. Medo. Não do escuro, nem dos monstros debaixo da minha cama. Um medo que não se pode ver, mas que faz todo o corpo amolecer, e lhe torna impotente... O (tão famoso) medo de perder.
Então o relógio dá sua última volta. Você sente quando está perto do fim. Algumas palavras ditas e você tem certeza de que tudo o que conquistara até aquele momento terminou. Em um estalar de dedos. E, como se não bastasse, ele marca hora e bate à sua porta... sorrindo. Ele sorri como se aquilo tudo fosse uma brincadeira, e sua cara de assustada se torna raivosa. Será que ele não percebe o que faz? Contudo, nada como a paz de uma longa conversa para acalmar essa guerra, onde as únicas armas são as palavras. Aí você olha para ele e lembra do quanto você o acha ridículo mas, ao mesmo tempo, perfeito. O que o torna ridiculamente perfeito.
Então um beijo e tudo desaparece. O coração volta a bater e a boca já não está mais seca. Ele te dá um beijo de perdão, e você percebe que odeia quando ele faz isso. Odeia tudo o que ele faz e todas as suas teorias. Odeia seu modo de vestir e falar. Odeia quando ele dá aquele sorriso torto e te abraça. Enfim, odeia tanto... que chega a amar.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

This is real, this is life.

Tem dias que você vai dormir mas preferia não ter acordado. Você deita na cama e olha para o teto, desejando que tudo o que aconteceu fosse só um sonho ruim mas, sem querer, bate o cotovelo na parede e percebe que não foi. Maldito mundo real.
Segundo o ditado: quanto maior a altura, maior a queda. E temo que isso seja verdadeiro. Eu estava nas nuvens há um tempo atrás, e já tinha até me acostumado com o quanto elas são fofinhas e confortáveis. Mas há duas semanas eu venho desmoronando.
Parece-me que quando uma coisa resolve dar errado, todas as outras a seguem. Vão te sufocando e te empurrando cada vez mais para baixo e então, com medo, você fecha os olhos, como se pudesse fugir de tudo. E, de repente, quando você pensa já ter chegado no fundo do poço, sente um solavanco e ainda cai mais um pouco. Não, seus olhos continuam fechados e agora você está ofegante, desesperado por uma brecha que lhe traga ar puro.
Então, quando tudo começa a dar errado assim, você perde completamente as esperanças e tudo parece cinza, sem vida. Aí você olha para o lado e vê que seus esforços para sobreviver valeram a pena, afinal, uma das pessoas que te jogou para baixo agora volta e te carrega no colo, mostrando-lhe que a vida tem cinza, sim, mas que a maior parte é amarela e rosa. Um sorriso se abre em seu rosto pois você vê que é essa pessoa que realmente te ama, e seu coração começa a pulsar mais rápido à medida que tudo volta a ter vida novamente para você. Porque o amor conquista tudo.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Just to remember.

Nós nos prendemos demais a lembranças. Pude sentir isso hoje, ao limpar meu armário. Não é tão simples assim separar algumas coisas e jogar fora, como se fossem rascunhos de um desenho não terminado. Se foi guardado é porque tinha algum valor e, de repente, você se vê em frente a essa "coisa" pensando se deve deixá-la alí por mais algum tempo ou não. E então você olha ao seu redor e se depara com mais outras coisas que também estão aguardando a sua decisão.
O fato é que nada foi feito em vão, e é difícil deixar de lado alguma coisa que lhe traga uma lembrança. Seja um ursinho de pelúcia, uma blusa velha ou um bilhetinho da melhor amiga. Ou até mesmo algo que você escreveu, mas que nem lembrava. E você olha e sorri, porque isso já passou. É hora da despedida.
E isso acontece no dia-a-dia, sem percebermos. Quantas vezes já deixamos de falar com alguém por causa de algo que aconteceu? O pior é que só depois paramos pra pensar e vemos como isso foi uma perda de tempo, pois o que aconteceu ficou no passado, e temos que levantar a cabeça para seguir em frente. Está certo que se isso abriu uma ferida, talvez ela não se cure tão rápido, mas sempre acaba fechando. Mesmo que fique uma cicatriz, pois pelo menos serviu para aprendermos a ser mais cuidadosos na próxima vez.
E tem gente que vive só dessas lembranças, vive no passado, com medo do que vem pela frente. Mas às vezes temos que rever os conceitos e deixar de lado toda essa baboseira. Temos que criar coragem e nos desfazermos de tudo isso, porque se guardarmos tudo, o que vai ser de nós daqui a 50 anos? Concordo em guardar as lembranças boas, mas para quê as ruins? Eu penso que é só para ocupar espaço, assim como coisas materiais.
Foi aí que resolvi me desfazer de vez disso. Peguei uma caixa e organizei com carinho as minhas coisas dentro, na esperança de que a próxima pessoa que tiver acesso a elas cuide do mesmo jeito que eu fiz, mesmo sabendo que não vai acontecer. Dei uma última olhada. Senti uma dorzinha no coração, mas me consolou quando vi que junto com essas coisas vão algumas lembranças ruins também. Fechei a caixa.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Os opostos se atraem

Houve quem me disse que essa história de os opostos se atraírem é mentira. No início eu também achava, afinal, é difícil conviver com alguém que pense sempre o contrário, sempre havendo esse conflito de idéias. Mas, uns dias atrás, conversando com um velho amigo, percebi que ele era a minha versão masculina: mesmo gosto por música, mesmo modo de agir, opiniões formadas sobre tudo e todos muito semelhantes, tipo físico parecido, mesmo signo. Achei muito interessante no começo, mas no decorrer da conversa notei que se tornava monótono o fato de concordarmos com tudo... Não haviam discussões empolgantes sobre os assuntos, parecia que eu estava conversando comigo mesma. Confesso que não gostei.
Vejo que normalmente as pessoas procuram alguém que as complete, alguém que as faça pensar de outro modo. Acho que foi por isso que me apaixonei por alguém que é o contrário de mim. Ele é tudo o que eu não sou, e vive numa realidade completamente diferente da minha. Me faz sair um pouco do meu mundinho de idéias concretas para misturar com as idéias dele. E, querendo ou não, às vezes passo a pensar diferente. Acho que isso acontece com todo mundo, na verdade, quando encontram a "cara-metade".
Mas diferença de opinião não são só flores. Às vezes vem espinhos presos nelas, e podemos nos machucar. Mas não falo só dos casais: relação de amizade também se torna bastante espinhosa quando as opiniões são muito distintas. Entretanto, nada como uma briguinha pra tornar tudo mais interessante... Melhor do que a rotina.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Cortar o tempo

Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial.
Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão.
Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente.
(Carlos Drummond de Andrade)